quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Antigamente não tinha choro nem vela: a brincadeira fora ou dentro de casa consistia basicamente de atividades com bolas, bonecos, carrinhos e jogos como esconde-esconde. Hoje, são poucas as crianças que nunca pediram para mexer no celular da mãe ou não tentaram descobrir o que havia de tão interessante na tela do computador do pai. Mas até que ponto permitir o envolvimento com estes eletrônicos é benéfico aos filhos? Para Valdemar Setzer, professor aposentado do Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática e Estatística da USP (Universidade de São Paulo), não há o que discutir: até que eles cheguem aos 17 anos, passatempos tecnológicos deveriam estar fora de questão.
“Tanto o computador como todos os outros meios eletrônicos exigem uma enorme autodisciplina e um enorme autocontrole, coisa que as crianças e jovens não possuem”, afirma o especialista, também autor do livro “Meios Eletrônicos e a Educação: Uma Visão Alternativa” (Editora Escrituras). Segundo Setzer, as crianças ainda estão desenvolvendo a capacidade de discernir o que é verdadeiro ou falso, bom ou mau, e colocá-las diante de uma tela cheia de possibilidades e informações é uma porta aberta para diferentes perigos. Mas nem todos os especialistas são tão radicais. Tadeu Terra, professor e Diretor Editorial de Mídia Digital do COC, escola pioneira no uso de computadores em salas de aula, defende que o papel dos pais é ser guia e mediador na relação com a tecnologia, e não proibidor –  até porque, segundo ele, as crianças terão contato com celulares, computadores e com a internet quer os pais permitam, quer não.
Para Setzer, o tipo de pensamento estimulado pelo computador é excessivamente exato e restrito para uma criança. “Ele prejudica a capacidade de pensar e imaginar delas, mostrando que o uso frequente do computador é um dos fatores para a piora do rendimento escolar, por exemplo”.
Criatividade em falta?
“Qualquer atividade virtual é irreal e se apresentam figuras e desenhos, não há a imaginação. Porque usar o computador se há jogos que podem ser jogados com as mãos?”, questiona Setzer. Ao contrário dele, Tadeu Terra não vê o universo virtual como tamanha ameaça às crianças. “Os jogos físicos e virtuais podem ser equivalentes: a questão está na proposta do jogo, e não no meio utilizado”, diz. Segundo ele, os pais devem pensar primeiro em quais habilidades a criança está desenvolvendo.
O pediatra antroposófico Antonio Carlos de Souza Aranha concorda com a questão levantada por Setzer. “É importante que a criança desenvolva primeiramente a criatividade e o raciocínio para depois utilizar os meios eletrônicos livremente, sem se tornar dependente da tecnologia”, acredita. As festas infantis atuais exemplificam bem o que ele quer dizer: enquanto hoje costuma haver a necessidade de um ambiente temático, além de um profissional para animar a festa de aniversário do filho, antigamente só era necessário deixar as crianças no quintal para que elas inventassem o que fazer e se divertissem. “Hoje em dia as crianças são cada vez mais consumidoras e menos criativas em todos os níveis – ação, emoção e pensamento – e isso é um grande perigo”, diz o pediatra.
No entanto, se houver uma ênfase da família em desenvolver estes três níveis de capacidade, colocar a criança em contato com o computador ou até mesmo com a televisão pode ocorrer sem malefícios. Por outro lado, se houver acomodação dos pais, a coisa muda de figura: colocar uma criança sem supervisão diante de um destes meios é arriscado.
Tecnologia 24 horas
Deixar a criança brincando no computador o tempo inteiro está mesmo fora de cogitação. De acordo com Terra, os pais devem estabelecer uma disciplina para o uso dos meios eletrônicos, e não simplesmente eliminar o computador da vida dos filhos. “As crianças já possuem uma atração muito grande pela tecnologia, a menos que você nunca a deixe chegar perto de qualquer meio eletrônico”, afirma. Contando que grande número de adultos anda para lá e para cá com celulares em mãos, este contato se torna inevitável. “Uma criança de três anos já é capaz de entrar sozinha na internet e assistir um vídeo no Youtube, então você precisa mostrar o que aquilo significa”, revela ele.
Embora os meios eletrônicos estejam espalhados por todos os lados e haja a possibilidade de serem utilizados de maneira correta por crianças e jovens, Terra ainda aponta que há riscos a serem evitados. “Como pai e educador, minha função não é a de tirar o computador das crianças, mas sim de mostrar o que significa. Senão ele vai fazer escondido”, afirma.
Evitar que um pré-adolescente crie um perfil numa rede social, por exemplo, é bastante difícil, mesmo que os pais o proíbam. A questão, portanto, é: quem irá informá-lo sobre as medidas que devem ser tomadas por questão de segurança, como por exemplo, não revelar informações pessoais? “Existem vários pais que acham que os filhos nem sabem mexer no computador, mas um dia descobrem que eles têm até perfil no Orkut. Incluir a tecnologia como algo que faz parte do dia a dia e vê-la de forma positiva é necessário”, acredita Terra.
Mas tampouco é preciso colocar um computador no quarto do seu filho para que ele não se sinta “por fora” diante dos colegas de escola. O pediatra ressalta que, junto às atividades de introdução à informática, é essencial que as crianças tenham outros estímulos: “Os pais devem se preocupar em desenvolvê-las através das artes, das atividades criativas e também das atividades físicas”. Afinal, levar somente a facilidade mecânica dos computadores em consideração não colabora para o desenvolvimento de novas capacidades. É como aprender a fazer contas direto na calculadora: você perde a aquisição da capacidade mental de calcular.
Faixa etária e autonomia
O professor Valdemar Setzer é categórico: o uso de computadores sozinho, sem supervisão dos pais, deve começar somente a partir dos 17 anos – segundo ele, a idade em que o jovem já está preparado para utilizar a tecnologia de forma saudável. O pediatra Antonio Carlos de Souza Aranha é menos radical: para ele, a partir dos 14 anos já é possível que o jovem utilize a informática com autonomia, sem a possibilidade de se tornar dependente: “Os pais são livres para educarem os filhos como preferirem, mas a criança que não desenvolver capacidades criativas poderá usar o computador para fugir do contato com o mundo – assim como algumas fogem nas drogas”.
Terra discorda. “Existem atividades educativas que as crianças de quatro anos já podem realizar no computador, naturalmente acompanhadas dos pais”, revela ele. “Mas é necessário realizar um trabalho para que ele chegue na adolescência agindo de forma segura diante da internet, por exemplo”, completa. Segundo ele, a criança entrará em contato, de uma maneira ou de outra, com a tecnologia, e terá mais interesse de descobrir o que é o plano digital. “À medida que ela for solicitando isso, os pais devem ter muita atenção: não é como deixar a criança brincando com uma bola no quintal. Os riscos que ela corre diante do computador são realmente maiores”, revela o especialista.
“A civilização não andaria hoje sem o computador, mas a criança deve passar pelas etapas que a humanidade toda já passou até agora”, resume Antonio Carlos. Ou seja: desenvolver primeiro a criatividade e o raciocínio próprios, para depois dominar uma ferramenta que é parte integrante da vida moderna – e que jamais funcionaria sem a criatividade e o raciocínio humanos.